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Maria então disse: “A minha alma engrandece ao Senhor,
E meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador,
porque Ele olhou para a humanidade de sua serva”. (Lc 1, 46-48).

Qual o olhar que Maria tinha sobre si própria? Qual o auto-conceito? No Magnificat, seu canto, temos a resposta. Nele transparece a experiência pessoal de Maria. Como “pobre de Javé”, espera de Deus a própria salvação, pondo nele toda a confiança. Testemunha que o Deus que salva

é fonte de toda a dádiva, manifesta seu amor preferencial pelos pobres humildes. O cântico de Maria tem características únicas. Cada palavra tem referências no Antigo Testamento. Como não lembrar, por exemplo, o cântico de Ana, mãe de Samuel? O Magnificat é um canto novo, que manifesta quem é Maria. Ela está feliz. Feliz porque Deus a escolheu, feliz porque espera Jesus; feliz porque encontrou Izabel que a compreende e com a qual pode cantar sua alegria. E foi assim que surgiu o Magnificat, no coração de uma jovem em festa.

Maria então disse: “Todas as gerações, de agora em diante, me chamarão feliz, porque o Todo-poderoso fez pra mim coisas grandiosas”. (Lc, 48-49)

De quantos títulos e nomes de Maria, você seria capaz de se lembrar neste momento? Por mais que sua lista seja grande, será incompleta. Sim, porque seus nomes e títulos são milhares, alguns de origem bíblica, outros nascidos no coração da Igreja. Realmente, “todas as gerações, de agora em diante, me chamarão feliz”…

Essa profecia se cumpriu ao longo dos séculos. Ela viveu sua missão de fé, no silencio e na simplicidade. Não foi em vista de seu esforço ou méritos que Maria conseguiu as virtudes que a ornaram, as graças e os títulos que hoje ostenta. Maria é obra de Deus. Foi em vista de seu filho que nela realizou maravilhas, as “coisas grandiosas” a que Maria se referiu no “Magnificat”. Deu-lhe sua ternura, sua bondade e sua pureza e, olhando para a humanidade dessa sua serva, chamou-a “cheia de graça”.

Maria então disse: “O seu nome é Santo” (Lc 1, 49)

Santo é o termo bíblico que melhor expressa a transcendência, porque de Deus, porque Deus é Santo, é o Santo, “é três vezes Santo”. (Is. 6,3). A Virgem Maria, ao proclamar o Magnificat, devia ter diante de si as palavras que o anjo Gabriel lhe havia dito. “Aquele que vai nascer será chamado Santo”. (Lc 1, 35). Essa proclamação da santidade de Deus é o ponto alto de seu cântico. Maria engrandece o Senhor porque é Santo.

E a santidade é o horizonte para qual deve tender toda nossa caminhada. Santo é o batizado que se purifica e se renova profundamente, consciente de que pertence àquele que é Santo. São Paulo disse isso com palavras que não deixam qualquer dúvida. “A vontade de Deus é que sejais santos”. (1 Ts 4,3). Todos nós somos chamados à plenitude da vida cristã e à perfeição da caridade.

Maria então disse: “Sua misericórdia se estende de geração em geração sobre aqueles que o temem”. (Lc 1,50).

Na primeira parte do Magnificat, Maria louvou o Senhor pelo que tinha realizado com a sua humilde serva. Agora, como filha de Sião, o louva em nome de seu povo. Começa destacando a misericórdia de Deus sobre aqueles que o teme. É próprio do Senhor ser misericordioso para com suas criaturas. Com carinho imenso olha para os que dele necessitam e a ele acorrem. Mas seu amor é impaciente: mais do que esperar seus filhos, vai ao encontro deles, para socorrê-los em suas necessidades.

Logo Maria iria descobrir que, em seu Filho, Deus tem um rosto que sorri, uma mão que acaricia, um olhar que envolve, e braços que se estendem. “Sua misericórdia se estende de geração em geração sobre aqueles que o temem”. Maria tinha razão. Pertencemos a uma geração que, sob inúmeras formas, faz experiências renovadas da misericórdia de Deus. Temos até um domingo – o segundo da Páscoa – para nos debruçar especificamente sobre o rosto misericordioso de Deus. Não será este um sinal de que Deus nos quer ver imitando Maria, isto é, proclamando ao mundo sua misericórdia?

Maria então disse: “Ele mostrou a força de seu braço: dispersou os que tem planos orgulhosos no coração”. (Lc 1, 51)

As expressões que Maria usou nessa parte do Magnificat podem parecer fortes e até duras para uma jovem da Galiléia de vinte séculos atrás. São, isso sim, coerentes com a visão de Deus que ela adquiriu debruçando-se sobre a revelação que ele fez de si mesmo: “Com teu braço poderoso dispersaste teus inimigos” (Sl 89,11). A força do “braço de Deus” está a serviço da justiça e da misericórdia. Mesmo quando corrige algum de seus filhos, ele o faz para que viva em plenitude.

Maria louva a Deus porque constatou que quando alguém se eleva de forma indevida, injusta ou titânica, Deus o coloca em seu devido lugar. O orgulhoso é um mentiroso pois se supervaloriza indevidamente. Um orgulhoso é incapaz de valorizar outras pessoas. No lado oposto está a pessoa que teme a Deus: reconhece os próprios limites, e, ao mesmo tempo, busca junto a Ele o auxílio de que necessita.

Maria, diante de acontecimentos que não compreendia e de experiências cujo significado não alcançava, guardava tudo “em seu coração” (Lc 1,19,51). Ela nos demonstra que os humildes se submetem a uma disciplina, não seguem os pensamentos do próprio coração, sabem escutar e aprendem os segredos de Deus.

Maria então disse: “Derrubou os poderosos de seus tronos e exaltou os humildes”.
(Lc 1,52)

Este verso do Magnificat opõe duas categorias de pessoas: os poderosos e os humildes. Para Maria a base é a justiça e o amor, a liberdade e a verdade. Derrubando os poderosos de seus tronos, Deus os leva a descobrir a verdade sobre si próprios. – verdade que não é nada agradável. Não há limites para seus desejos de dominação. São grandes os estragos causados no mundo de hoje pelos “Poderosos”, isto é, pelos que fazem questão de afirmar sempre mais seu “eu”, sua força, sua sabedoria, seu dinheiro.

O tema da exaltação dos humildes é bíblico. “Tudo vai mudar! O que é baixo, o que é alto, será rebaixado”. (Ez 21,31). É claro que esta frase não é reservada só a Maria, mas atingirá todos os servidores do Senhor. Voltando nosso olhar para Maria, descobrimos que suas palavras: “Eisd aqui a serva do Senhor” (Lc 1,38), muito mais que uma resposta, são um programa de vida. Ela nos ensina também, que ser humilde, significa aceitar viver não segundo os próprios desejos e projetos, por melhores que possam parecer, mas em função de Jesus Cristo, de seus ensinamentos. Ele que viveu em nosso meio como aquele que serve. (Lc 22,27)

(Maria disse então: O poderoso) “ Encheu de bens os famintos, e mandou embora os ricos de mãos vazias”.

Famintos e ricos: por que essa oposição no cântico do Magnificat? O grande problema é a tendência dos ricos ignorarem os necessitados, de acumularem sempre mais e se esquecerem de Deus, tornam-se escravos de seus próprios bens. Maria ao se referir aos famintos e ricos, não parece estar fazendo uma profecia, mas descrevendo uma situação do passado. As injustiças continuavam; o domínio romano era uma realidade com seus pesados tributos e uma corrupção que empobrecia ainda mais os pobres.

Maria vê o futuro como seu Senhor o vê. Tem certeza de que a justiça triunfará. Mesmo que tudo indique o contrário, o futuro já está garantido para quem acredita nele. Há uma outra fome que Deus quer saciar; a fome dele mesmo, a fome da vida sobrenatural, de vida interior, de vida espiritual. As coisas do mundo não saciam. Quem se sacia com essas coisas poderá ter espaço para ter fome de Deus?

Maria fala de uma riqueza que será severamente denunciada nas pregações de seu Filho – “as preocupações do mundo, a ilusão da riqueza e os outros desejos”. (Mc 4,19) – pois impede que nasçam no coração os frutos esperados. Ensina-nos que ser “pobre de espírito” é uma graça, a qual, pode e deve ser pedida.

(Maria estão disse: O Poderoso)
“ Acolheu Israel, seu servo, lembrando-se de sua misericórdia, conforme prometera a nossos pais, em favor de Abraão e de sua descendência, para sempre”. (Lc 1,54,55)

Em seu cântico de louvor e agradecimento ao seu Senhor, Maria começa lembrando o que nela – serva e pobre – ele havia realizado. Depois, o que fez em favor dos humildes e necessitados. Agora, os horizontes se alargam também o povo escolhido foi ricamente beneficiado, demonstrando que Deus é fiel. “Acolheu Israel…”. é uma referência ao povo de Deus, servo, sim, mas não escravo. Deus o trata com carinho, porque se lembra de sua misericórdia. Na longa travessia do deserto, foi Moisés que inúmeras vezes, “lembrou” a Deus suas promessas e seu grande amor.

Maria nos ensina uma belíssima forma de pedir os dons de que necessitamos: não apenas chamando a atenção para nossas necessidades, mas também fazendo referência ao amor gratuito, generoso e inesgotável de Deus, e à sua misericórdia, manifestada largamente ao longo da história.

Maria recordava o que o Senhor havia prometido a Abraão, o quanto havia sido fiel às suas promessas. Como não se lembraria de que justamente nela estava sendo cumprida a mais importante promessa: a do Messias. Como as promessas de Deus são “para sempre”, também nós somos atingidos por elas e chamados a recordá-las, para que também sobre nós O Senhor continue manifestando o quanto é misericordioso.

Trechos extraídos e adaptados de “Um mês com Maria”
De Dom Murilo S.R. Krieger, scj